18 de fevereiro de 2012

"(...)você está parado na janela, atrás da vidraça. Você olha para fora. Não há nada diferente ou incomum lá fora. São os mesmos edifícios, do outro lado e mais além da rua, as mesmas árvores, poucas. Algumas vidas existindo tão discretamente quanto a sua, por trás de outras vidraças nos edifícios do outro lado e além da rua. Assim olhando, de repente você se percebe tão quieto que tem vontade de fazer alguma coisa, qualquer coisa dessas cotidianas, anônimas, acender um cigarro, ligar o rádio, quem sabe abrir a vidraça atrás da qual você está parado. Mas não faz nada. Você prefere não fazer nada. Permanece assim: parado, calado, quieto, sozinho; na janela, olhando para fora [...] você suspira. Sem dor nem inquietação. O suspiro é um sopro de ar que sai do fundo de pulmões certamente escurecidos pelos muitos cigarros e a poluição urbana, como cavernas negras [...] frágil — você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal, de algum lugar improvável: Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar."
Caio Fernando de Abreu -

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